terça-feira, 20 de março de 2012

Veríssimo

Hoje conversei sobre crônicas e resolvi revisitar esta que há alguns anos, junto com um grupo alunos de teatro, dei vida às sua palavras tranformando em uma deliciosa esquete.
Agora, compartilho com vocês neste momento ímpar da minha vida, em que o contato com a literatura está cada vez mais intenso. Boa Leitura!

Atitude Suspeita

- Delegado, prendemos este cidadão em atitude suspeita.
- Ah, um daqueles, é? Como era a sua atitude?
- Suspeita.
- Compreendo. Bom trabalho, rapazes. E o que é que ele alega?
- Diz que não estava fazendo nada e protestou contra a prisão.
- Hmm. Suspeitíssimo. Se fosse inocente não teria medo de vir dar explicações.
- Mas eu não tenho o que explicar! Sou inocente!
- É o que todos dizem, meu caro. A sua situação é preta. Temos ordem de limpar a cidade de pessoas em atitudes suspeitas.
- Mas eu estava só esperando o ônibus!
- Ele fingia que estava esperando um ônibus, delegado. Foi o que despertou a nossa suspeita.
- Ah! Aposto que não havia nem uma parada de ônibus por perto. Como é que ele explicou isso?
- Havia uma parada sim, delegado. O que confirmou a nossa suspeita. Ele obviamente escolheu uma parada de ônibus para fingir que esperava o ônibus sem despertar suspeita.
- E o cara-de-pau ainda se declara inocente! Quer dizer que passava ônibus, passava ônibus e ele ali fingindo que o próximo é que era o dele? A gente vê cada uma...
- Não senhor delegado. No primeiro ônibus que apareceu ele ia subir, mas nós agarramos ele primeiro.
- Era o meu ônibus, o ônibus que eu pego todos os dias para ir para casa! Sou inocente!
- É a segunda vez que o senhor se declara inocente, o que é muito suspeito. Se é mesmo inocente, por que insistir tanto que é?
- E se eu me declarar culpado, o senhor vai me considerar inocente?
- Claro que não. Nenhum inocente se declara culpado, mas todo culpado se declara inocente. Se o senhor é tão inocente assim, por que estava tentando fugir?
- Fugir, como?
- Fugir no ônibus. Quando foi preso.
- Mas eu não estava tentando fugir. Era o meu ônibus, o que eu tomo sempre!
- Ora, meu amigo. O senhor pensa que alguém aqui é criança? O senhor estava fingindo que esperava um ônibus, em atitude suspeita, quando suspeitou destes dois agentes da lei ao seu lado. Tentou fugir e...
- Foi isso mesmo. Isso mesmo! Tentei fugir deles.
- Ah, uma confissão!
- Porque eles estavam em atitude suspeita, como o delegado acaba de dizer.
- O quê? Pense bem no que o senhor está dizendo. O senhor acusa estes dois agentes da lei de estarem em atitude suspeita?
- Acuso. Estavam fingindo que esperavam um ônibus e na verdade estavam me vigiando. Suspeitei da atitude deles e tentei fugir!
- Delegado...
- Calem-se! A conversa agora é outra. Como é que vocês querem que o público nos respeite se nós também andamos por aí em atitude suspeita? Temos que dar o exemplo. O cidadão pode ir embora. Está solto. Quanto a vocês...
- Delegado, com todo o respeito, achamos que esta atitude, mandando soltar um suspeito que confessou estar em atitude suspeita é um pouco...
- Um pouco? Um pouco?
- Suspeita.

VERÌSSIMO, Luís Fernando. A Grande Mulher Nua. São Paulo: Círculo do Livro, 1989.


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